segunda-feira, 12 de abril de 2021

Xerazade, RICHARD SIKEN

 



Xerazade

Conte-me sobre o sonho em que nós retiramos os corpos do lago
                                                     e os vestimos com roupas quentes outra vez.
           Como estava tarde, e ninguém conseguia dormir, os cavalos correndo
até se esquecerem que eram cavalos.
                Não é como uma árvore em que as raízes têm que dar em algum lugar,
      é mais como uma canção no rádio de um policial,
             como nós enrolamos o carpete para podermos dançar, e os dias
eram vermelho-claro, e sempre que nos beijávamos havia outra maçã
                                                                                                       para cortar em pedaços.
Olhe para a luz através da vidraça. Significa que é meio-dia, significa que
         estamos inconsoláveis.
Estes, os nossos corpos, possuídos por luz.
                                                                  Diga-me que jamais nos acostumaremos.

--


Scheherazade

Tell me about the dream where we pull the bodies out of the lake

                                                 and dress them in warm clothes again.

          How it was late, and no one could sleep, the horses running

until they forget that they are horses.

                    It's not like a tree where the roots have to end somewhere,



          it's more like a song on a policeman's radio,

                  how we rolled up the carpet so we could dance, and the days

were bright red, and every time we kissed there was another apple

                                                                                                   to slice into pieces.

Look at the light through the windowpane. That means it's noon, that means

          we're inconsolable.

                                  Tell me how all this, and love too, will ruin us.

These, our bodies, possessed by light.

                                                                       Tell me we'll never get used to it.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Física de desenho animado, parte 1, NICK FLYNN



FÍSICA DE DESENHO ANIMADO, PARTE 1
Crianças com menos de, digamos, dez anos não deveriam saber que o universo está em constante expansão, indo inexoravelmente para o vácuo, galáxias
engolidas por galáxias, sistemas
solares inteiros entrando em colapso, tudo
acontecendo em silêncio. Aos dez ainda estamos
aprendendo as regras dos desenhos animados,
que se um homem desenha uma porta em um rochedo
somente ele pode passar por ela.
Quem mais tentar
irá bater contra a rocha. Crianças de dez anos
deveriam se limitar a casas em chamas, acidentes de carro,
navios afundando – desastres terrenos,
tangíveis, arenas
onde eles podem ser heróis. Você pode voltar
a uma casa em chamas, navios afundando
têm botes salva-vidas, os caminhões virão
com suas escadas, se você pular
será salvo. Uma criança
coloca sua mão no teto de um ônibus escolar
& dirige através de uma cidade de areia. Ela
sabe o local exato em que derrapará, em que
ponto a ponte dará, quem nadará até a segurança
& quem será puxado pelos tubarões. Ela aprenderá
que, se um homem cruzar a borda de um penhasco
ele não cairá até perceber seu engano

---

Children under, say, ten, shouldn't know
that the universe is ever-expanding,   
inexorably pushing into the vacuum, galaxies

swallowed by galaxies, whole

solar systems collapsing, all of it
acted out in silence. At ten we are still learning

the rules of cartoon animation,

that if a man draws a door on a rock
only he can pass through it.   
Anyone else who tries

will crash into the rock. Ten-year-olds
should stick with burning houses, car wrecks,   
ships going down—earthbound, tangible

disasters, arenas

where they can be heroes. You can run
back into a burning house, sinking ships

have lifeboats, the trucks will come
with their ladders, if you jump

you will be saved. A child

places her hand on the roof of a schoolbus,   
& drives across a city of sand. She knows

the exact spot it will skid, at which point
the bridge will give, who will swim to safety
& who will be pulled under by sharks. She will learn

that if a man runs off the edge of a cliff
he will not fall

until he notices his mistake.

Com ou sem a parte do medo, ZACHARY SCHOMBURG



COM OU SEM A PARTE DO MEDO


Uma noite, quando

você retornar ao lar de

sua infância após


uma vida inteira longe,

você o encontrará

abandonado. A


pintura estará

completamente arruinada


A casa terá pendido

significantemente para oeste.


Haverá

um buraco no telhado

de onde morcegos

sairão.

 

O velho

recurvado

na porta da frente

estará preparado

para mostrar o lugar,

mas primeiro perguntará

Com ou sem a parte do medo?


Você deveria dizer

Sem.


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SCARY, NO SCARY

One night, when
you return to your childhood
home after

a lifetime away,
you’ll find it
abandoned. Its

paint will be
completely weathered.

It will have
a significant westward lean.

There will be
a hole in its roof
that bats fly
out of.

The old man
hunched over
at the front door
will be prepared
to give you a tour,
but first he’ll ask
Scary, or no scary?

You should say
No scary.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Árvores, MARK HADDON



Árvores Elas ficam em parques e cemitérios e jardins.
Algumas são mais altas que lojas de departamento,
embora pouco chamem atenção para si.
Você estará ajustando o trilho de um aquecedor de toalhas um dia e verá, através da claraboia,
um cardume de peixes verde-oliva mudar de direção
no ar que nada sobre os pequenos jardins.
Ou você acordará no chalé da sua tia, seu sono interrompido por um trem carvoeiro sobre uma colina vazia conforme os carvalhos rugem no vento pelo canal.
Sua gentileza com os animais, sua habilidade com o clarinete,
estas são coisas acidentais.
Nós perdemos esse jogo há muito tempo.
Olhe para você. Você está lendo poesia.
Lá fora o ar da primavera está espesso
com as sementes de seus filhos.





Neve, DAVID BERMAN




NEVE Caminhando em um campo com meu irmãozinho Seth
eu apontei para um lugar onde as crianças tinham feito anjos na neve.
Por alguma razão, eu disse a ele que uma tropa de anjos
tinha sido baleada e dissolveu ao cair no chão.
Ele perguntou quem atirou neles e eu disse um fazendeiro.
Então estávamos sobre a superfície de um lago.
O gelo se parecia com uma fotografia de água.
Por quê, ele perguntou. Por que ele atirou neles?
Eu não sabia onde isso iria parar.
Eles estavam em sua propriedade, eu disse.
Quando neva, lá fora se parece com uma sala.
Hoje eu troquei olás com meu novo vizinho.
Nossas vozes ficaram bem próximas na nova acústica.
Uma sala com paredes explodidas e desmoronando.
Voltamos para nossas pás, trabalhando lado a lado em silêncio. Mas por que eles estavam em sua propriedade, ele perguntou.
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Snow

Walking through a field with my little brother Seth

I pointed to a place where kids had made angels in the snow.
For some reason, I told him that a troop of angels
Had been shot and dissolved when they hit the ground.

He asked who had shot them and I said a farmer.

Then we were on the roof of the lake.
The ice looked like a photograph of water.

Why he asked. Why did he shoot them.

I didn’t know where I was going with this.

They were on his property, I said.

When it’s snowing, the outdoors seem like a room.

Today I traded hellos with my neighbor.
Our voices hung close in the new acoustics.
A room with the walls blasted to shreds and falling.

We returned to our shoveling, working side by side in silence.

But why were they on his property, he asked.

Lagoa, MONIKA RINCK


LAGOA

diz ele: o lamento é uma lagoa
eu digo: sim, o lamento é uma lagoa,
porque está em um lugar oco,
cheira mal e é repleto de peixes.
diz ele: e a culpa é uma lagoa.
eu digo: é, a culpa é uma lagoa também,
pois concentra-se líquida em um buraco
chegando a alcançar o poço nivelado
do meu braço rigidamente estendido.
diz ele: o engano é uma lagoa.
eu digo: sim, também é uma lagoa.
porque nas noites de verão pode-se
fazer piquenique às margens do engano
e alguma coisa sempre fica para trás.



XIX, RON SILLIMAN



    
XIX

Momento em que percebo que não estou usando meus óculos. Velha casa de pedra. Embalagem de plástico azul do The New York Times. Impacto do vinho tinto no pêlo branco do cachorro. Nascer do sol.
Poema gradual como o clima. Arte de hotel (pseudo-Hoffman suavizado, Rothko-retrô como filigrana em tons pastéis). O que Trenton faz, o mundo leva. O que Nixon soube quando Nixon soube disso.
Primeiro pássaro-cantor compulsivo, pré-amanhecer, pára abruptamente. O ar condicionado está constante (despercebido porém jamais silencioso). Você pode ouvir a eletricidade nas lâmpadas, crepitando fraca. Motivação: homem numa sala de de conferência de hotel joga futebol com representantes comerciais.
Turvo demais para imaginar. Como o rio esculpe a cidade (perdido à noite, tentando atravessar). Cachorra salta para apanhar o graveto, seu balé pessoal, então perde o interesse, divaga para cheirar a grama. História como uma função da curiosidade.
Do que é proibido, meu filho de três anos de idade diz “Isso me deixa triste”. Impossível discernir o gelo dos pedaços de vidro quebrado. Uma tabela de conteúdos da qual fui omitido. Sala em que perucas são mais numerosas do que barbas. O incêndio do bombardeio varre a tela: apenas imaginamos os homens , mulheres e crianças dentro. Estou caminhando por um mundo que você não pode imaginar, tendo morrido tanto tempo atrás.
Sonho com empreendimento imobiliário. Os tomates de Amato. O sol emerge gradualmente através do bosque. (O filho emerge gradualmente através do bosque.) O presente não se tornou uma cópia perfeita, mas tampouco uma cópia não editável. O barco afunda rapidamente no texto. Tente capturar o formato e o impacto de suas maçãs do rosto em palavras.
De um avião, a estrutura raiada de um shopping center suburbano (este em Princeton tem forma de T) é indistinguível da de uma prisão de segurança mínima exceto pelo imenso estacionamento. Só por isso. Quando o disco rígido do PC que controla o sistema de segurança entra em colapso, todas as saídas de incêndio no hotel – abertas por controles magnéticos – fecham-se batendo. Cardeais demorarão um pouco a se acostumar. Paleta em tons escuros de Arquivo X.

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XIX

Moment in which I realize I'm not wearing my glasses. Old stone
house. Blue plastic wrap of the New York Times. Impact of red
wine on white fur of the dog. Sunrise. 

Poem as gradual as weather. Hotel art (pseudo-Hoffman softened,
retro-Rothko as filigree in pastel). What Trenton makes, the world
takes. What Nixon knew when Nixon knew it. 

First compulsive songbird, pre-dawn, abruptly halts. The air
conditioner is constant (unnoticed but never silent). You can hear
the electricity in lightbulbs, faint crackling. Motivation: man in hotel
conference room throws football to the sales reps. 

Too bleary to imagine. How the river carves the city (lost at night,
trying to find my way across). Dog leaps for the stick, her own
ballet, then loses interest, wanders off to sniff the grass. History as
a function of curiosity. 

Of the forbidden, my three-year-old says "That makes me sad."
Impossible to discern the ice from the shards of broken glass. A
table of contents from which I've been omitted. Room in which
toupees outnumber beards. The firestorm sweeps left across the
screen: we only imagine the men, women and children inside. I'm
walking in a world you cannot imagine, having died so long ago. 

Dream of real estate. Amato's tomatoes. The sun emerges
gradually through the woods. (The son emerges gradually through
the woods.) The present has not become a perfect copy, but
rather an uneditable one. The boat sinks rapidly in the text. Try to
capture the shape and impact of your cheekbones in words. 

From an airplane, the spokes of suburban mall (this one in
Princeton is T-shaped) are indistinguishable from those of a
minimum security prison but for the immense parking lot. But for.
When the hard drive on the PC that controls the security system
crashes, every fire door in the hotel–each held open by electrically
controlled magnets–slams shut. Cardinals will take some getting
used to. Dark-toned palette of The X-Files
Claire Alves e Gabriela Ribeiro

Um poema que me diz o que fazer, LAURA EVE ENGEL




 UM POEMA QUE ME DIZ O QUE FAZER

Está interessado em
Está preocupado com
Sua própria voz levantada
Ao final de cada linha
Como se estivesse aqui
Para me entregar a mim
Do alto de mim
Quando eu olhar para cima
Não quero que isso seja um poema
Não quero pensar sobre
A maneira como um poema pensa
Sobre o céu
Quero pensar em morcegos