quarta-feira, 9 de junho de 2021

Hospitalidade, HEATHER CHRISTLE

 


HOSPITALIDADE

 

No meu primeiro dia no novo emprego, examinei meu corpo todo e não consegui encontrar
                                                                                                                         [um nome

Me senti um erro bíblico, tive que me deitar


A etiqueta diz que uma jovem viúva não deve se vestir com espalhafato


A etiqueta diz que crianças enlutadas menores de 8 anos vestindo preto são muito tristes


Eu senti que qualquer palavra que eu dissesse tomaria a forma de uma confissão


Confessei páginas de números de telefone mas ninguém atendeu


Era o turno da noite


A noite como uma sala comprida com janelas em lugares inconvenientes


Eu não sabia como organizar os móveis de um jeito bonito


Eu fui treinada para amar um pouco as pessoas


Embora eu trabalhasse muitas horas, não havia ninguém lá


Digo, eu nunca vi outra alma, muito menos a minha própria



...

Hospitality

On my first day at the new job I scanned my whole body and could not find a name

I felt like a biblical error, I had to lie down

Etiquette says a young widow must not dress in flashy jet

Etiquette says children under 8 in black mourning are too sad

I felt like any words I spoke would take the form of a confession

I confessed pages of telephone numbers but nobody picked up

It was the night shift

The night like a long room with windows in inconvenient places

I did not know how to arrange the furniture in a beautiful way

I had been trained in how to love people a little

Though I worked many hours there was nobody there

I mean I never saw another soul, least of all my own

 

O problema, NOAH ELI GORDON

 


O PROBLEMA           

Eu caminho para dentro do deserto árido. Existem muitas maneiras de começar. Por exemplo, como se não tivesse certeza dos instrumentos, uma mosca calcula mal sua decolagem para fora  da moita de sujeira no peitoril da janela. Eu entro no deserto como se numa ideia de desertos. Isto também é um começo. Uma garota apontando para um avestruz insiste que é alguma outra coisa. "Isso não é real", ela repete duas vezes para um adulto olhando para outro lugar. Nossa mosca ronda a superfície de uma laranja no balcão da cozinha. Uma ideia também tem uma superfície, uma casca. Claro que está quente aqui fora. Após uma inspeção mais cuidadosa, há listras de amarelo-esverdeado no exterior corrugado da laranja. Um avestruz não enterra sua cabeça na areia; ele coloca seu pescoço rente ao chão de modo a parecer um monte de terra à distância. Que fatos sejam inumeráveis não é o problema. Que tendamos a olhar para outro lugar é.


...

The Problem  

I walk into the arid desert. There are so many ways to begin. For example, as though unsure of the instruments, a fly bungles its liftoff from the windowsill’s thicket of dust.
I walk into the desert as into an idea of deserts. This, too, is a beginning. A girl pointing toward an ostrich insists that it’s something else. “That ain’t real,” she repeats twice
to an adult looking elsewhere. Our fly rounds the surface of an orange on the kitchen counter. An idea, too, has a surface, a skin. Of course it’s hot out here. Upon closer
inspection, there are streaks of greenish-yellow on the orange’s corrugated exterior. An ostrich does not bury its head in the sand; it lays its neck flat to the ground so as to appear from a distance like a mound of earth. That facts are innumerable is not the problem. That we tend to look elsewhere is.


Sem Título, BEN ESTES

 


SEM TÍTULO


Que esta encosta de montanha se pareça com um rosto é acidental,

o que é uma pena, porque eu realmente gosto de rir.

A seção transversal da sequoia suavizada pelo toque, em seus anéis

de crescimento e brilho,

parece um sol visto debaixo d'água,

trêmulo como geleia, tirando sarro da minha

incapacidade de encontrar um emprego, meu vale-refeição,

e me entristece ver

os adolescentes se marcando em lugares próximos

para ganhar o respeito de um amigo virtual, ou ostentar

outros sintomas da juventude enquanto deixam

suas impressões digitais gordurosas nas lentes grossas dos meus óculos,

caçoando do meu desejo que obras de arte

permaneçam embaladas em palha, e em música

para deflagrar a selvageria dos que dormem em vigília.

 

Tudo isso me dá fé nos arranjos, eu acho,

quando não há mais nada em que pareço muito bom, exceto barulho

e copiar e colar, com a cabeça cheia de tantas outras preocupações.

Recebi um cheque hoje. Comprei um livro que não consigo ler

sem ser posto para dormir

com seu luxo desatualizado.

 

Então, em vez de ler,

Eu fiquei acordado e ouvi a música de Harry Partch

And on the Seventh Day Petals Fell in Petaluma,

dedicando-a à memória de Ramon Novarro,

esperando que ela arqueasse eletricamente sobre ele

com todas as características do fogo

a noite toda,

o dia todo,

e encharcasse suas cores do início da primavera com um sol de fim de outono

pálido como prata e céus verde-samambaia

 

desenhar luz

até a meia noite

 

e desviar a vista de seu vale

em direção à minha própria solidão de vizinhança humilde

sem nada melhor para fazer do que me deitar e ensinar

aqueles meninos cultos da Internet

sobre as caricaturas primitivas e permanentes de suas próprias mortes,

a andar com cuidado e não pisar nos caracóis,

nos pobres,

nos entrapados de pele áspera,

ou em ereções espertas saindo de roupas de cetim.

Esta luz está escura.

E no sétimo dia as pétalas caíram em Petaluma,

perdoando aqueles que se apressaram demais

estufados de merda e penas sob o calor quente e amarelo

que eu gostaria que incinerasse todos os envelopes fechados

empilhados na mesa perto da minha porta da frente,

(e queimasse todo o tempo que gastei

Com todas as coisas que não posso

nem apontar com meu dedo).

 

Eu fui dar uma volta esta noite

e encontrei um ovo pintado de peru

no lugar onde o rio se assentou

na lama das salinas.

Eu olhei para a íris polida

do olho de uma truta.

Uma moeda atlântica reluzente.

Pensando que até o vento esta noite poderia vacilar,

assoprando sementes ainda não capturadas

no pelagem do cão. Ainda assim, vida.

E todas as necessidades deste mundo.

 

...

No Title

That this mountainside looks like a face is accidental,

which is a shame, for I dearly love to laugh.

The touch-smoothed redwood cross-section, in its rings

of growth and brightness,

seems like a sun seen from underwater,

wobbly as jelly, mocking my

inability to find a job, my food stamps,

and saddens me to see

the teens tagging themselves in nearby places

to earn a virtual friend's respect, or boasting

other symptoms of youth while leaving

their greasy fingerprints on the thick lenses of my glasses,

mocking my desire for artwork

to remain packed in straw, and in music

for sleepers halfway awake to grow wild in.

 

It all gives me faith in arranging, I guess,

when there is nothing else I seem much good at but fuss

and copy and paste, with a head full of so many other worries.

Got a check today. Bought a book I can't read

without it putting me to sleep

with its out-of-date luxuriousness.

 

So instead of reading it,

I stayed up and listened to Harry Partch's song

And on the Seventh Day Petals Fell in Petaluma,

dedicating it to the memory of Ramon Novarro,

hoping it would arch electrically above him

with all the characteristics of fire

all night,

all day,

and soak his early spring colors in a late autumn

sun as pale as silver and fern-green skies

 

to draw light

through midnight

 

and steer instead his valley's vista

toward my own simple neighborhood loneliness

with nothing better to do than lie back and lecture

those cultured Internet boys

on their own death's primitive and permanent cartoons,

to walk carefully and not step on any snails,

the poor,

the rough skin bundles,

or shiny boners poking out from satin robes.

This light, is dark.

And on the seventh day petals fell on Petaluma,

forgiving those who hurried past before

stuffed with poo and feathers underneath the hot yellow heat

that I wish would ignite all the unopened envelopes

piling up on the table by my front door,

(and burn up all of the time I've spent

on all of the things I can't

put my finger toward).

 

I went for a walk this evening

and found a speckled turkey egg

where the river settled

into the mud of the salt flats.

I looked at the burnished iris

of the eye of a trout.

A gleaming Atlantic coin.

Thinking even the wind tonight could speak,

blowing in seeds not yet caught

on the coat of the dog. Still, life.

And all the needs in this world.

 

terça-feira, 8 de junho de 2021

Guinada estelar, GRAHAM FOUST

 


GUINADA ESTELAR

Que a ferida mais funda é a menos exclusiva
não surpreende ninguém senão os vivos.
Secretamente, e com o que parece ser um bom motivo,
nós somos a dor que as pessoas que amamos
depositam nas pessoas que elas já não amam mais.

...

Star Turn

That the deepest wound is the least unique
surprises nobody but the living.
Secretly, and with what feels like good reason,
we’re the pain the people we love
put the people they no longer love in.

Uma canção, ROBERT CREELEY



UMA CANÇÃO

Sempre quis um testamento silencioso
e sempre quis, entre outras coisas,
uma canção.
Era para ser
de monotonia comum
(Uma graça,
Apenas. Muito muito quieta.
Um murmúrio de algum tordo
perdido, embora eu nunca tenha visto um.

Que era você então. Sentada
e plena, em paz, tão parecida com a quietude de agora.

Uma canção.

E seu o sinal de agora, claro, de uma perpetuidade
vulgar
(A qual não é relutante, ou se é,
já não importa mais.

Uma canção

Que alguém cante, se o fizer,
com cuidado.

...


A Song

I had wanted a quiet testament

and I had wanted, among other things,
a song.
That was to be
of a like monotony.
(A grace
Simply. Very very quiet.
A murmur of some lost
thrush, though I have never seen one.

Which was you then. Sitting
and so, at peace, so very much now this same quiet.

A song.

And of you the sign now, surely, of a gross
perpetuity
(which is not reluctant, or if it is,
it is no longer important.

A song.

Which one sings, if he sings it,
with care.




Poema ao invés de uma carta, WELDON KEES

 


POEMA AO INVÉS DE UMA CARTA
Agarrado a nada num redemoinho de folhas
Aqui nesta cidade arruinada e coberta de fuligem,
Penso em você, do outro lado do continente,
Testando seu sorriso que amadureceu na catástrofe
E agora maravilhosamente pronta para a morte.
A promessa desgastada de nossa herança
Agora é hábito: que outro ano tornou-se inverno
Enquanto assistíamos aos fragmentos de um mundo
Caindo aos pedaços como um ramalhete murcho,
Sentindo falta do cheiro, embora tenhamos nomeado
Aquele tempo o suficiente. Conhecemos o cheiro agora,
Eu acho, tanto quanto é seguro conhecer.
E mesmo que eu suba os degraus desejando sorte a você,
O cheiro preenche as varandas e ruas, e sopra rançoso no vento
Através dos seus cômodos vazios.
Quais outros ventos mais carregados não se pode prever,
Nem supor. O desta noite sopra através da mente,
E cada sílaba é falsa e seca.
Boas noites repetidos. Para estranhos, para uma rua vazia. ...

Vinte e duas semanas, MADHUR ANAND




VINTE E DUAS SEMANAS

Noites iluminadas com um cronômetro. Nossos ninhos programáveis
evoluindo novos sinônimos. A primavera é um termostato,

uma data de vencimento, uma perturbação. Alguns produtos são
apenas somas simples, mas há um verde mais difícil: a multiplicação

que falha em amadurecer. Por enquanto, um prospecto bem encadernado,
o brilho em um galho. Eu leio em voz alta e me empolgo feito uma criança.

“Oh, wie schön ist Panama!” Um urso e um tigre
zarpando em uma caixa de madeira com cheiro de bananas.


...


Twenty-two Weeks

Nights lit up with a timer. Our programmable nests
evolving new synonyms. Spring is a thermostat,

a due date, a flutter. Some products are just simple
sums, but there is a harder green: multiplication

that fails to ripen. For now, well-bound prospectus, glow
on a branch. I read aloud and current children cheer.

“Oh, wie schön ist Panama!” A bear and a tiger
setting sail in a crate with the scent of bananas.


segunda-feira, 7 de junho de 2021

Cidade do som de um galho se quebrando, ANNE CARSON




Cidade do som de um galho se quebrando


Seus rostos que eu tomava por facas.
O modo como os apontavam para mim.
E esperavam.
Um caçador é alguém que ouve.
Com tanto afinco sua presa que ela.
Puxa de sua mão a arma e impala.
A si mesma.

---

Town of the Sound of a Twig Breaking

Their faces I thought were knives.
The way they pointed them at me.
And waited.
A hunter is someone who listens.
So hard to his prey it pulls the weapon.
Out of his hand and impales.
Itself.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

Xerazade, RICHARD SIKEN

 



Xerazade

Conte-me sobre o sonho em que nós retiramos os corpos do lago
                                                     e os vestimos com roupas quentes outra vez.
           Como estava tarde, e ninguém conseguia dormir, os cavalos correndo
até se esquecerem que eram cavalos.
                Não é como uma árvore em que as raízes têm que dar em algum lugar,
      é mais como uma canção no rádio de um policial,
             como nós enrolamos o carpete para podermos dançar, e os dias
eram vermelho-claro, e sempre que nos beijávamos havia outra maçã
                                                                                                       para cortar em pedaços.
Olhe para a luz através da vidraça. Significa que é meio-dia, significa que
         estamos inconsoláveis.
Estes, os nossos corpos, possuídos por luz.
                                                                  Diga-me que jamais nos acostumaremos.

--


Scheherazade

Tell me about the dream where we pull the bodies out of the lake

                                                 and dress them in warm clothes again.

          How it was late, and no one could sleep, the horses running

until they forget that they are horses.

                    It's not like a tree where the roots have to end somewhere,



          it's more like a song on a policeman's radio,

                  how we rolled up the carpet so we could dance, and the days

were bright red, and every time we kissed there was another apple

                                                                                                   to slice into pieces.

Look at the light through the windowpane. That means it's noon, that means

          we're inconsolable.

                                  Tell me how all this, and love too, will ruin us.

These, our bodies, possessed by light.

                                                                       Tell me we'll never get used to it.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Física de desenho animado, parte 1, NICK FLYNN



FÍSICA DE DESENHO ANIMADO, PARTE 1
Crianças com menos de, digamos, dez anos não deveriam saber que o universo está em constante expansão, indo inexoravelmente para o vácuo, galáxias
engolidas por galáxias, sistemas
solares inteiros entrando em colapso, tudo
acontecendo em silêncio. Aos dez ainda estamos
aprendendo as regras dos desenhos animados,
que se um homem desenha uma porta em um rochedo
somente ele pode passar por ela.
Quem mais tentar
irá bater contra a rocha. Crianças de dez anos
deveriam se limitar a casas em chamas, acidentes de carro,
navios afundando – desastres terrenos,
tangíveis, arenas
onde eles podem ser heróis. Você pode voltar
a uma casa em chamas, navios afundando
têm botes salva-vidas, os caminhões virão
com suas escadas, se você pular
será salvo. Uma criança
coloca sua mão no teto de um ônibus escolar
& dirige através de uma cidade de areia. Ela
sabe o local exato em que derrapará, em que
ponto a ponte dará, quem nadará até a segurança
& quem será puxado pelos tubarões. Ela aprenderá
que, se um homem cruzar a borda de um penhasco
ele não cairá até perceber seu engano

---

Children under, say, ten, shouldn't know
that the universe is ever-expanding,   
inexorably pushing into the vacuum, galaxies

swallowed by galaxies, whole

solar systems collapsing, all of it
acted out in silence. At ten we are still learning

the rules of cartoon animation,

that if a man draws a door on a rock
only he can pass through it.   
Anyone else who tries

will crash into the rock. Ten-year-olds
should stick with burning houses, car wrecks,   
ships going down—earthbound, tangible

disasters, arenas

where they can be heroes. You can run
back into a burning house, sinking ships

have lifeboats, the trucks will come
with their ladders, if you jump

you will be saved. A child

places her hand on the roof of a schoolbus,   
& drives across a city of sand. She knows

the exact spot it will skid, at which point
the bridge will give, who will swim to safety
& who will be pulled under by sharks. She will learn

that if a man runs off the edge of a cliff
he will not fall

until he notices his mistake.